O editor José Xavier Cortez, que se dedica aos livros há 50 anos, publica o primeiro de sua autoria em que analisa o período de quarentena
Quando virou o ano de 2020 ninguém imaginava o que estava por vir. Pandemia, isolamento, angústia, vidas perdidas. Mas o mundo teve de se adaptar a esta nova realidade e aprender a conviver com a ameaça invisível, porém, mortal.
Foi o caso do editor José Xavier Cortez, que, desde que saiu, há algumas décadas, do sertão do Rio Grande do Norte, aprendeu a lidar com as adversidades. Do isolamento, ele, que há mais de 50 anos se dedica aos livros, publicou o primeiro de sua autoria, com reflexões sobre o isolamento. Veja seu depoimento a seguir:
“No início de março de 2020, eu ia com frequência à Cortez Editora, permanecendo na empresa por algumas horas, como de costume. Há algum tempo, devido às complicações de saúde que enfrento, minhas filhas Mara Regina e Miriam Cortez assumiram o comando dos negócios. Ainda assim, eu seguia uma rotina de trabalho. Meu objetivo era ajudar com conselhos, orientações, ideias, sugestões. Também gosto de estar a par das novidades, conversar com clientes, amigos, funcionários. A verdade é que, após mais de 50 anos atuando no mercado livreiro e editorial, não consigo me ver longe do cotidiano da editora por muito tempo.
Porém, conforme os dias passavam e as notícias sobre a pandemia decorrente do novo coronavírus se intensificavam, a necessidade de iniciar o processo de distanciamento social se fez inevitável – especialmente para as pessoas que, como eu, estão em idade avançada e possuem problemas de saúde preexistentes. Nesse contexto, em meados de março, recebi das minhas três filhas Mara, Marcia e Miriam a ordem de permanecer em casa, saindo apenas para consultas e procedimentos médicos. Em contrapartida, elas providenciariam o necessário ao meu bem-estar: compras, alimentação, medicamentos e outras demandas do dia a dia.
Depois de alguns dias confinado, comecei a ficar agitado, sem paciência para acompanhar o noticiário repetitivo sobre a pandemia. Nunca fui de flertar com o ócio. Pelo contrário. O trabalho sempre foi parte importante da minha vida. Foi então que tive a ideia de canalizar essa energia produzindo, escrevendo minhas impressões sobre esse período e estabelecendo conexões com algumas memórias da minha trajetória de mais de 80 anos. Percebi, no entanto, que as décadas de trabalho como editor não me tornavam apto a iniciar um projeto de escrita sozinho.
Entendi que precisava de auxílio para dar conta desta empreitada e entrei em contato com a jornalista e escritora Goimar Dantas, que, como eu, é potiguar radicada em São Paulo há muitos anos. Para além disso, é uma das autoras da minha biografia: Cortez – A Saga de um Sonhador (Cortez Editora, 2010), finalista do prêmio Jabuti, e que Goimar escreveu em parceria com Teresa Sales. Nessa primeira conversa, expliquei minha ideia e perguntei se ela topava me auxiliar nesse processo. Ela aceitou de imediato, pois conhece minha trajetória pessoal e profissional desde os tempos em que mergulhou nas entrevistas e pesquisas para compor minha biografia. Outro ponto importante para desenvolvermos um trabalho dessa envergadura é a admiração que nutrimos um pelo outro e a sintonia fina na condução e diálogo de nossos processos criativos.
Tudo foi feito, claro, respeitando o distanciamento social, o que resultou em inúmeras trocas de e-mails, reuniões por chamada de vídeo, mensagens via WhatsApp, telefonemas. Eu escrevia os textos, enviava para Goimar e ela sugeria ampliações, cortes, inserções de dados. Foram cinco meses de trabalho intenso, mas penso que valeu a pena! Não é fácil remexer em histórias antigas, por vezes a memória prega peças e precisei recorrer a familiares.
Com frequência, sentimentos e saudades vêm à tona e a gente tem de lidar com isso. Mas confesso que a experiência me fez um bem danado. Sentia-me motivado, entusiasmado, com vontade de partilhar com outras pessoas não só as vivências do distanciamento, mas algumas experiências que considerei importantes em minha vida profissional e pessoal. Foi ótimo revisitar os desafios, lutas, vitórias e dificuldades de minha jornada como agricultor, marinheiro, estudante, livreiro, editor, pai, filho, marido e, há alguns anos, avô do Júlio Cesar e do João Vitor – experiência que, sem dúvida, tem sido uma aventura maravilhosa.
São muitas as histórias de superação nessas mais de oito décadas. Histórias, por vezes, semelhantes àquelas vividas por tantos brasileiros que, como eu, precisaram deixar seu lugar de origem – no meu caso, o sertão do Rio Grande do Norte –, para tentar a vida nas grandes capitais da região Sudeste. Nesse processo de escrita, pude refletir, também, sobre o presente, seus desafios e alegrias, e, ainda, sobre o futuro. Busquei falar do que considero essencial para que vivamos um novo tempo, melhor e mais justo. Temas como educação, leitura, cuidados com a população de idosos, livros, família, ética, amor pelo trabalho e tudo quanto considero fundamental a uma vida melhor e mais plena compõem os capítulos desta obra.
Procurei manter minha mente ativa, ter um objetivo, desafiar limitações. Espero que este livro possa trazer alegrias, renovar esperanças, injetar otimismo e, quem sabe, despertar nos leitores o desejo de se renovarem e se reinventarem em períodos de dificuldades. Assim, convido vocês a lerem Tempos de Isolamento – Reflexões e Qualidade de Vida (Cortez Editora, 2020), texto produzido em um tempo marcado por uma situação complexa, inesperada para a maioria de nós. Um tempo, por isso mesmo, capaz de nos fazer valorizar mais a vida. Uma ótima leitura a todos!