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Aline Melo
Incômodo é comum entre 3 e 12 anos; responsáveis devem estar atentos aos sintomas
Crescer dói. Essa constatação quase filosófica é também literal e vivenciada por muitas crianças e pré-adolescentes, normalmente dos 3 aos 12 anos – em alguns casos, ela pode persistir até os 18 anos de idade. A fotógrafa Thielly Soengas Mania, 35 anos, é mãe de Miguel, 10, Marcos, 7, e Fabrício, 4. Quando tinha 6 anos, o mais velho começou a relatar dores nas pernas, perto do tornozelo, sempre no período da noite. “Minha avó dizia que meu pai sentia isso quando estava crescendo, mas eu achava que era porque ele brincava demais”, relatou Thielly. A persistência das queixas fez com que o médico fosse procurado e o diagnóstico confirmou a sabedoria da bisavó da criança: dor do crescimento. Analgésicos e massagens com óleo de arnica ajudaram a superar as crises. Até o momento, os irmãos não manifestaram sintomas semelhantes.
A engenheira Andressa Calza, 41, também levou o filho João, 8, para consultas por conta de dores nas pernas. O garoto já estava em acompa-nhamento médico com endocrinologista por causa da baixa estatura. “Os exames estavam normais, então não ficamos preocupados”, relatou Andressa.
Segundo a hebiatra Danila Wassano, médica especialista em saúde dos adolescentes, a dor de crescimento é a causa mais comum de dor musculoesquelética na infância e motivo frequente de consulta pediátrica. “Foi mencionada pela primeira vez na literatura médica em 1823, pelo francês Marcel Duchamp (1887-1968). Ele foi o primeiro a notar que um grande número de crianças apresentava um aumento da frequência de dores musculoesqueléticas e aplicou o termo 'dores de crescimento' para as descrever, acreditando que elas eram causadas pelo rápido crescimento esquelético”, explicou a especialista.
Apesar de o termo 'dor do crescimento' ser popular, a médica explica que uma vez que a sua natureza exata e causas não foram determinadas pela medicina, essa nomenclatura não é a mais adequada. “É consensual que o processo de crescimento deve ser indolor, senão todas as crianças deveriam sentir dor. Sendo assim, têm surgido na literatura médica denominações alternativas, como ‘dor noturna benigna da infância’ ou ‘dor recorrente dos membros inferiores’. Contudo, a designação ‘dor de crescimento’ é universalmente aceita, pois deixa implícito o seu caráter benigno (não estar associado a patologia orgânica) e autolimitado (desaparece espontaneamente mesmo sem tratamento)”, definiu a médica.
A dor do crescimento ocorre nos membros inferiores e de forma unilateral, ou seja, dos lados esquerdo e direito. É mais frequente no período noturno, e normalmente as crianças já não a sentem pela manhã. A fisiote-rapeuta Raquel Silvério destacou que, não raro, a intensidade das dores pode ocasionar choro e dificuldade para dormir.
Dores persistentes e/ou com sintomas associados, como inchaços ou vermelhidão, devem inspirar cuidados e consulta ao pediatra. “Deve-se excluir osteomielite (infecção óssea), leucemia, tumores ósseos e artrite. Dores que surgem durante o dia e/ou se agravam com atividade física podem ser de origem mecânica”, detalhou Danila. A médica relatou que dores noturnas podem ocorrer na síndrome de hipermobilidade articular, leucemia e osteoma osteoide (tipo de tumor ósseo). Já dores nas articulações que já estão presentes de manhã, ao acordar, com ou sem inchaço articular, mas evoluindo com restrição de movimentos, podem ser indicativas de uma doença autoimune como a artrite idiopática juvenil.
A reumatologista infantil e membro da Abrasso (Associação Brasileira de Avaliação Óssea e Osteometabolismo) Teresa Terreri detalhou que se a criança sente dor mais de três vezes na semana, mais no fim da tarde, e principalmente depois de realizar atividade física, provavelmente é a dor do crescimento. “É importante lembrar que a dor de crescimento não prejudica o paciente. Ela costuma passar depois de uma massagem. No entanto, se essa dor persistir, é preciso procurar o médico e eventualmente apoio emocional com psicólogo”, frisou.
O ortopedista Rafael da Rocha Macedo, especialista em cirurgia de pé e tornozelo, destacou que o tratamento para as dores de crescimento se dá primeiramente orientando os pais ou responsáveis sobre o caráter benigno e que geralmente irão cessar até o fim da infância. “Entre 80% e 95% dos casos uma simples massagem nos locais dolorosos já é suficiente para o alívio dos sintomas. Já nas crianças com crises mais demoradas pode-se utilizar um analgésico ou anti-inflamatórios”, apontou.
Pesquisador do Grupo de Dor do Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), Marcus Yu Bin Pai explicou que bolsas e compressas de água quente podem ser utilizadas nas pernas como forma de aliviar a dor. “O calor tem propriedades relaxantes musculares e analgésicas, o que pode promover dilatação dos vasos sanguíneos, diminuindo a tensão muscular e dor”, detalhou. Massagem local com as mãos ou com aparelhos próprios para esse fim pode ajudar a relaxar e melhorar a circulação, diminuindo a dor, completou o especialista. Para casos mais agudos, sprays analgésicos podem trazer um alívio. “Para algumas crianças, podemos até fazer acupuntura como forma de analgesia e relaxa-mento muscular”, completou.
ATENÇÃO DOS PAIS
As dores de crescimento são benignas, apontam os especialistas, e muitas vezes a simples atenção dos pais às queixas já ajuda no seu alívio. A fisioterapeuta e doutora em saúde Jecilene Rosana Costa Frutoso destacou que é importante observar o estado emocional das crianças, como ansiedade, estresse e medos que possam estar passando no dia a dia. Clínico geral e especialista em medicina integrativa, Roberto Debski pontuou que, às vezes, atrás do sintoma pode haver algum quadro emocional. “Pode ser que as atividades não estejam bem compatíveis com o perfil da criança. É preciso também sempre observar como é na escola, no dia a dia. Acompanhar de perto e procurar o médico quando necessário”, concluiu.
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