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Aline Melo
A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou ontem a produção industrial e venda em farmácias, sob prescrição médica e retenção da receita, de produtos à base de maconha. Na mesma decisão, foi rejeitado o cultivo da planta para os mesmos fins.
A autorização da diretoria colegiada foi uma bandeira do diretor da agência e ex-prefeito de São Bernardo William Dib. Os fabricantes deverão solicitar uma autorização sanitária e a norma, que será publicada no Diário Oficial e entrará em vigor em 90 dias após a publicação, define os procedimentos para fabricação e importação dos produtos, bem como estabelece requisitos para comercialização, prescrição, dispensação, monitoramento e fiscalização de produtos de cannabis para fins medicinais. Produtos com mais de 0,2% de THC (Tetrahidrocanabinol, princípio ativo mais potente) será apenas para pacientes terminais.
O professor de Neurologia da FMABC (Faculdade de Medicina do ABC) Rubens Wajnsztejn é um dos médicos que prescrevem o canabidiol, substância derivada da maconha, para seus pacientes. Na sua avaliação, a notícia tende a facilitar o acesso das famílias aos medicamentos, mas destaca que deve haver fiscalização com relação à qualidade dos produtos. “A tendência é que, mesmo sem o plantio aqui, o preço desses produtos fique mais acessível”, pontuou.
Para as famílias que atualmente importam medicamentos ou conseguiram na Justiça que o governo forneça, a autorização é bem-vinda. Primeira pessoa no Estado de São Paulo a conseguir a autorização para a importação da medicação e há dois anos recebendo o canabidiol do governo estadual para seu filho Guilherme Barreto, 20 anos, a dona de casa Daniela Costa, moradora de São Bernardo, espera que diminua sobretudo a burocracia para obtenção dos produtos. “Meu filho tinha de 60 a 65 convulsões diárias, mas depois que passou a usar o canabidiol e sem as crises, é muito mais feliz”, afirmou. Guilherme tem a síndrome de West, uma epilepsia de difícil controle.
A empresária Laureane Pereira, 38, também de São Bernardo, usa o canabidiol há três meses para combater as convulsões do filho Étori, 5, que tem hidrocefalia e agenesia de corpo caloso (má-formação congênita). “Além de controlar as crises, percebemos melhoras na parte cognitiva com o tratamento”, comentou.
Tomás Polisel, 35, sofreu sérias lesões cerebrais após um acidente, em 2012, e o canabidiol tem ajudado a reduzir a rigidez muscular e dispensar o uso do relaxante muscular, que afetava a sua cognição. “Tomara que essa decisão facilite para que as famílias possam se beneficiar do produto e não fique apenas nas mãos de quem tem mais recursos financeiros”, afirmou a mãe, a gerente financeira Rosana Polisel, 58.
O deputado federal Alex Manente (Cidadania), que tem defendido a regulamentação dos medicamentos à base de canabidiol, afirmou que a autorização da Anvisa é um primeiro passo para colocar o Brasil no mesmo rumo de países de primeiro mundo. “Creio que muitos pacientes com epilepsia, dores crônicas e outras doenças poderão se beneficiar”, avaliou o parlamentar de São Bernardo.
De acordo com ele, agora é preciso avançar sobre a liberação do cultivo, uma vez que a produção nacional com importação dos insumos pode não ser o bastante para baratear o produto. “E assim que os fabricantes conseguirem as autorizações vamos batalhar para incluir os medicamentos no rol do SUS (Sistema Único de Saúde)”, disse Alex Manente.
Pacientes temem dificuldades para obter itens feitos artesanalmente
A autorização da Anvisa para que sejam fabricados no País produtos derivados da maconha para fins medicinais preocupa quem já utliza óleo de canabidiol e de THC (Tetrahidrocanabinol, o princípio ativo da planta), feitos artesanalmente e sem regulamentação.
Morador de Diadema, Tomas Souza, 32 anos, utiliza o óleo de THC para tratar depressão e ansiedade. “Vão dificultar e encarecer ainda mais o produto”, lamentou. Pai de Eduardo, 13, o operador de monitoramento Marcelo Neves, 47, explicou que apenas o produto com dose mais elevada de THC atenua as convulsões do filho, que tem paralisia cerebral e epilepsia refratária. “Essa decisão vai atrapalhar quem está no processo de liberação para cultivo medicinal”, lamentou.
Especialistas da área de direito da saúde avaliam que a decisão vai facilitar o acesso, mas ponderam que se poucos fabricantes conseguirem a licença, pode haver manutenção dos preços altos. O canabidiol custa, em média, R$ 1.600 o frasco, que dura cerca de dois meses.
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