Pedras no caminho

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Vinícius Castelli

Cálculo renal é tormenta de 13% da população mundial

Foi em uma noite de dezembro de 2017, por volta das 21h, que Stéphanie Tomazini, hoje com 26 anos, percebeu um incômodo na região lombar. De início achou que tinha dado mau jeito, pois se tratava de algo suportável. Só que três horas depois ela não conseguia achar nenhuma posição confortável para ficar. “De todos os jeitos doíam, sentada, deitada, em pé. Falei com  minha mãe e ela suspeitou que pudesse ser pedra no rim, porque ela já tinha tido também”, conta.

Ela foi para o pronto-socorro, fez a triagem, tomou medicação para aliviar dores na veia e não resolveu. A dor seguia forte. Depois deram um mais forte que o anterior e não resolveu também. Stéphanie teve, então, de tomar morfina (analgésico para aliviar dores extremas). Foi só então que conseguiu parar de ter dor por um tempo para que o hospital pudesse fazer a tomografia (exame para checar quantos cálculos o paciente tem e o tamanho deles). “No exame foi detectado que havia três pedras. Fiquei internada por três dias para fazer o tratamento e não precisei fazer operação porque tomei um remédio que dilata as vias urinárias”, explica. Os cálculos saíram na urina, durante a estada no hospital. Stéphanie diz ter ficado traumatizada por causa das fortes dores que sentiu. “É horrível”. Hoje, leva uma garrafa com água para onde for. “Até porque, ainda tenho um (cálculo) aqui comigo.”

Os cálculos renais, popularmente conhecidos por ‘pedras nos rins’, são formados nestes órgãos ou vias urinárias a partir de cristais existentes na urina. Podem ter em sua composição oxalato de cálcio, hidroxiapatita, ácido úrico, estruvita e cistina, entre outros componentes. Entre os sintomas estão dores lombares agudas, sangue na urina e diminuição – e até suspensão –  do fluxo urinário, por exemplo. Em casos há vômitos e febre. Para algumas pessoas as dores podem ser suportáveis, mas muitas vezes são extremas.

Doutor em urologia pela Universidade Federal de São Paulo, Dr. Marco Lipay diz que a formação do cálculo acontece por um complexo evento em cascata, que pode estar relacionado a fatores genéticos, ambientais ou climáticos, bem como a idade, raça, baixa ingestão de líquidos, ambientais (climas quente e seco), sedentarismo, hábitos alimentares equivocados, excesso de sal na dieta,  alterações anatômicas dos rins e vias urinárias. Segundo o especialista, o risco multiplica-se quando se soma a doenças como diabetes, hipertensão, obesidade, infecções urinárias, distúrbios endocrinológicos e alteração anatômica das vias urinárias.

Vladimir Ribeiro, 40, conhece as dores causadas pelos cálculos renais. Ele explica que já sofreu muito por causa disso. “Tomei até morfina”, relata. Ele começou a ter crises em 2003. Já perdeu as contas de quantas vezes sofreu com as pedras. “Passei um ano quase todo sofrendo com isso. Fiz um procedimento (litotripsia extracorpórea, com ondas de choque) que detona as pedras, e fiquei bem. Mas dez anos depois tive de novo”, relata.

Ele diz que seu caso é genético. “Tenho de tomar mais água que uma pessoa comum, segundo me instruiu um médico há muito tempo. E não é cerveja ou refrigerante, é água mesmo, para limpar os rins. Graças a Deus faz alguns anos que não tenho nada”, comemora.

Dados apresentados pela Sociedade Brasileira de Urologia – Seção São Paulo, em março, mostram que os cálculos renais são altamente prevalentes em todo o mundo e vêm aumentando nos últimos anos, devido às mudanças de hábitos. Estima-se, segundo estudo,  que até 13% da população mundial possui cálculos renais e, no Brasil, esse índice é da ordem de 5%.

Daniela Gonçalves, 30 anos, também já passou pela experiência. Fez duas cirurgias. A primeira crise foi aos 16 anos. Tive aquela dor ‘do capeta’”, brinca. “Fui para o hospital e a pedra estava parada no canal da uretra. Fizeram uma cirurgia com uma microcâmera para tirar.”

A segunda foi uma litotripsia, há cinco anos. “É aquela que você explode as pedras e fica fazendo xixi com sangue durante uns dias para sair os resíduos”, conta. Ela explica que, segundo seu médico, seu corpo tem tendência a calcificar alguns nutrientes. “Então, preciso beber muita água pelo resto da vida para não aumentar meus cálculos. Tenho alguns aqui comigo ainda”, revela.

Ela mudou alguns hábitos. Reduziu o sal na comida, principalmente quando é ela quem cozinha. Refrigerante é algo que não faz mais parte do seu dia a dia. “Tem muito sódio”, diz. “E, claro, aumentei a quantidade de água, pelo menos dois litros por dia. E agora tento ir ao médico especialista pelo menos a cada dois anos para ver se está tudo bem.”

Anderson Mattielo, 50, diz ser uma ‘pedreira’, de tantas vezes que já teve cálculos renais. “Já fui parar na mesa de cirurgia”, diz. “Tive que tomar um remédio chamado Cloridrato de Tansulosina, que é relaxante muscular para tratamento de próstata. Relaxa o canal para que o cálculo saia. “Me passaram uma sonda e a pedra saiu”, relata ele, que teve que mudar alguns hábitos também, como maneirar no consumo de sódio e chocolates.

Segundo Dr. Marco Lipay, a dor mais forte ocorre quando as pedras estão saindo dos rins. “Porque a migração do cálculo promove uma obstrução (parcial ou total) do fluxo de urina do rim para a bexiga. Essa obstrução provoca uma dilatação do rim e desencadeia a dor renal ou a cólica renal”, explica.

“Tive problema sério com uma pedra”, conta Renee Santos, 39. E o curioso foi como descobriu que ela existia, há cinco anos. “Logo que mudei para casa onde vivo agora, consegui um feito, que era reunir minha família e da minha esposa para o Réveillon. Quando comecei a organizar as coisas senti dores e fui internado”, recorda. Passou a virada de ano no hospital. Ele (cálculo) me atormentou por seis meses. Queriam colocar o duplo ‘(cateter utilizado para livre drenagem de urina do rim até a bexiga) em mim pois tinha uma crise atrás da outra, tomava morfina. Com medo do duplo’, busquei alternativas. Já vinha tomando chá de salsinha. Tomei de quebra-pedra e acabei expelindo a pedra. Comemorei feito um gol no quintal”, diz.

O urologista explica que o cálculo, mesmo que pequeno, por exemplo de até 5 mm, pode migrar e ser eliminado espontaneamente (devido ao mecanismo de peristalse do ureter, que conduz a urina do rins para a bexiga). Porém, esse mesmo cálculo pode impactar e torna-se obstrutivo.

A obstrução ao fluxo de urina intensifica muito a dor renal (cólica renal), ou pode até mesmo levar a uma insuficiência renal do lado da cólica. Essa situação piora quando associada a uma infecção urinária e, nesse caso, até a risco de morte o paciente está sujeito. Por isso da necessidade de consultar um profissional.

Para quem fica cansado de dores constantes por causa dos cálculos, o urologista explica que nem sempre é possível diagnosticar com exatidão o que leva à formação deles. “Em consulta médica, somado a exames, podem-se diagnosticar fatores anatômicos, alterações metabólicas, formadores de cálculos (como, por exemplo, oxalato, cistina, cálcio, ácido úrico) e fatores endocrinológicos relacionados à paratireoide. Na consulta, também é possível identificar fatores hereditários, hábitos alimentares e sedentarismo, que podem ser reorientados, minimizando ao máximo a formação de novos cálculos”, explica.

O especialista diz ainda que, identificando-se o que causa os cálculos, é possível tratar e, assim, minimizar as probabilidades de recidivas. No entanto, ele dá algumas dicas para quem quiser viver melhor, como limitar a quantidade de sódio que se ingere e bebidas açucaradas, como refrigerantes, sucos industrializados, cafés especiais, chás e bebidas alcoólicas. “Pratique esporte, beba muito líquido, especialmente água. O suficiente para uma urina amarela citrina. Esta é a atitude mais importante para diminuir o risco de formar pedras nos rins”, encerra.

 




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