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‘É muito pequeno você ter lado. Fazemos parte de um todo’
Bruno Coelho
04/05/2025 | 22:47
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Claudinei Plaza/DGABC


Natural de Biritinga, a aproximadamente 200 quilômetros de Salvador (Bahia) e de uma família de 21 irmãos, Arleide Braga hoje é reitora do grupo educacional Fatej/Fadisa (Faculdade de Direito de Santo André), bem como encabeça programas sociais de combate à violência contra a mulher e uma segunda chances a presos militares. A gestora também comenta sobre os holofotes direcionados ao STF (Supremo Tribunal Federal), avalia que o Congresso Nacional não cumpre o seu papel como deveria e diz que a polarização política é natural, mas que a bandeira verde e amarela é de todos, e uma pessoa não pode limitar sua visão por apenas um lado da moeda.

Em fevereiro, a Fadisa assinou um termo de cooperação técnica com o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o combate à violência contra a mulher. Quais são os avanços projetados em curto e médio prazo a partir dessa parceria?

O Futebol Solidário, acho que é um tremendo projeto. Creio que é uma grande sacada de inovação e com maior perspectiva de retorno. Temos também o laboratório tecnológico, onde atendemos essas mulheres de maneira muito discreta. Colocamos lá o computador para ela, abrimos o processo, se tiver de dar um depoimento, nós temos as câmeras, porque na casa dela pode não ter computador, entende? Então, essas coisas que parecem tão pequenas, mas que fazem todo o diferencial dentro do processo todo da violência. Porque se a mulher não der continuidade no processo, ele fica parado e gera o ciclo vicioso da violência. Temos um curso falando dos direitos das mulheres, sem o chavão de ‘elas contra eles’. Nada disso, queremos os homens como pessoas civilizadas junto nesse projeto. Vamos fazer, inclusive, palestra na periferia, falar sobre violência contra a mulher.

Há um cronograma para essas palestras nas periferias?

Teremos no dia 17 de maio, às 10h, lá na Vila Industrial (em Santo André). Vou ser bem franca: estamos frente a um público altamente masculino e é muito difícil falar sobre o tema, mas estamos avançando. Inclusive, há uma empresa multinacional, que estamos fechando uma agenda para abrir um horário e falar com os funcionários sobre violência doméstica. Então, queremos criar essas pautas, só que tem que ser de uma maneira muito sutil para não sermos vistas como loucas ou revoltadas.

Me explica um pouquinho mais sobre esse curso de direitos das mulheres. É aberto a todas às mulheres? 

Aberto a todas as mulheres, a pessoas, líderes comunitários, ONGs (Organizações Não Governamentais), pessoas da área da saúde que atendem às mulheres no primeiro momento depois da violência, o Poder Judiciário, as delegacias. O programa está muito rico, porque foi criado pelo próprio CNJ, responsável pela grade e trouxe o curso pronto. Vamos começar na faculdade e estamos preparando para ofertá-lo na modalidade EAD (ensino a distância), porque assim alcança mais pessoas. 

Em qual etapa está o futebol solidário, para tratar do tema da violência contra a mulher em um meio predominado por homens? 

Buscamos apoiadores. Tivemos empresas que entenderam o projeto pela conscientização e solidariedade, e agora estão nos apoiando. Criamos um site para inscrição (www.fatej.edu.br/futebolsolidario), criamos a sala VIP, os inscritos vão concorrer a bola assinada por todos os (ex-)jogadores (no intervalo da partida). Contratamos a empresa que tem contrato assinado com esses ex-jogadores do futebol que estarão presentes no evento, como Amaral, (ex-goleiro do Palmeiras) Sérgio, Neto, Flávio Conceição, Müller e outros. Será no dia 24 de maio, às 10h, no Estádio Bruno Daniel. A entrada será um quilo de alimento, que será encaminhado para a Secretária de Assistência Social de Santo André.

Tem um outro programa social que a Fadisa fez em parceria com a Fundação Amparo ao Preso, que são cursos a presos militares. O projeto segue ativo?

O programa segue ativo, movido pelo o olhar de responsabilidade social. Na época de sua criação (2022), fomos procurados por uma mãe de Santo André, professora também, e que o filho estava no CDP (Centro de Detenção Provisória), perguntando se a gente teria como oferecer algum curso para ele, até por uma garantia constitucional e também em cumprimento às leis de execuções penais. Eu falei: ‘É verdade, né? Se estudarem, podem sair de lá melhor’. Só que no CDP, estão lá por um momento transitório. Não ficam ali. Depois vão para outros presídios. Bem, aí o juiz da Justiça Militar, Dr. Ronaldo Roth, na época estava em exercício, agora aposentou-se, sugeriu um local que pudéssemos implementar o programa: o presídio militar Romão Gomes (na Capital). A ideia avançou, fizemos um termo de cooperação técnica com a Funap (Fundação de Amparo ao Preso), e passamos a oferecer curso superior. 

Trata-se de uma ação pioneira entre as instituições de ensino superior?

Somos a primeira faculdade no Brasil, que é de Santo André, a oferecer ensino superior dentro de um presídio para remição da pena. Não é para ser conivente com o crime. Ninguém está sendo conivente com o crime. Estamos cumprindo nossa garantia constitucional e os princípios cristãos da Bíblia. Porque um dia você e eu vamos encontrar eles na rua. Então, não é melhor encontrá-los trabalhando, estudando, retomando a vida do que encontrar de novo no crime? Prefiro encontrar assim. 

Mudando de assunto agora. Estamos em um momento no qual o STF está sempre na mídia com grande destaque, algo que não ocorria há alguns anos, principalmente no debate político. Como os alunos que serão o Direito do Brasil amanhã veem isso?

Sempre entendo que o banco acadêmico é o melhor espaço para discussão. Seja para discutir os pontos que estão certos, seja para se discutir os pontos que estão errados, a sala de aula é o local mais apropriado para isso. Então, os alunos entendem, veem com observações, aplausos e críticas. Isso é importante, isso é educação. Estamos todos caminhando para uma sociedade livre, justa e solidária, como preconiza a Constituição Federal. Esse é o nosso objetivo. Então, nem se deve problematizar isso. É muito pequeno para o tanto quanto a educação pode fazer na vida das pessoas. Por isso, a crítica e o discordar fazem parte do saber. Se você pegar o mundo da filosofia, vai ver que os que mais contribuíram para a sociedade foram os que discordaram, os que criticaram. Foram os que levantaram o tema. Isso é a construção do saber, isso é a construção de pessoas e de sociedade. Isso é liberdade. Então, temos dentro da nossa faculdade o pensamento.

Os juízes, principalmente os ministros, têm ganhado um papel de protagonismo, inclusive no debate político. Se voltarmos algum tempo, anos 2000 ou 1990, talvez um nome de um ministro do STF não estivesse tão na ponta da língua da população como temos hoje. Para a senhora, é positivo ou negativo, a sociedade debater mais o judiciário?

É um contexto social, não é somente do Judiciário. Nesse cenário há também as casas legislativas que precisam fazer o seu papel. Temos o Executivo que também precisa fazer o seu papel. Quando não fazem, desabam no Judiciário, que passa a ser a bola da vez. Porque existem várias pautas que o Congresso não julga, não avança e acaba desaguando a discussão e para o Poder Judiciário, o que é um erro. Se o Congresso legislasse com a rapidez que a sociedade necessita, isso não aconteceria. O Judiciário estaria muito mais fora desse contexto de tantas discussões.

O Brasil, hoje, vive uma polarização que vai acabar desaguando na eleição de 2026. O judiciário acaba também sendo contaminado ou influenciado por essa polarização que temos aqui hoje?

Acredito que não, porque a previsão constitucional é que o Poder Judiciário seja independente em harmonia com os outros poderes (Executivo e Legislativo). Não acredito que seja afetado. Acredito que a polarização é o livre arbítrio de cada um, porque a própria Constituição Federal preconiza que é livre o pensamento. Não posso obrigar você a aceitar o meu pensamento. Você pode pensar diferente de mim e eu te respeitar. E você respeitar o meu (pensamento). Vivemos em harmonia. Mas eu penso assim, como professora, como educadora, como advogada: é muito pequeno você ter lado. É muito pequeno. É ínfimo. Fazemos parte de um todo, de um país livre, justo e solidário. Aquela bandeira verde e amarela abraça todos nós.

A senhora acompanha muito o tema dos precatórios, que são dívidas reconhecidas pela Justiça, e que a União, estados e municípios precisam pagar. E de outro lado temos alguns municípios, e Santo André é um exemplo clássico, que estão sufocados pela montanha de precatórios que precisam pagar. Existe espaço para esse diálogo pela flexibilização? 

Com certeza. Acredito que faltam iniciativas. O ‘não’, você já tem, não é? Eu sempre vivi assim. A pauta (sobre a flexibilização dos precatórios) está dentro da legalidade, porque é uma previsão, uma lei que regulamenta os precatórios, tanto que por ser do orçamento da cidade vai para ser pago os precatórios. Mas quem já chegou para discutir isso junto ao CNJ, a fim de trazer essa pauta também para o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) e assim buscar essa flexibilização? Não se trata de calote, porque isso é indigno. Todavia, é buscar caminhos. Então Santo André saiu na frente nessa discussão. O prefeito (andreense) Gilvan (Júnior, PSDB), graças a Deus, teve a oportunidade de apresentar para os conselheiros e presidente do CNJ uma ideia inédita. Quando Santo André sentou em Brasília para falar sobre isso antes?




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