Bicentenário da Independência do Brasil Titulo BICENTENÁRIO DA INDEPENDÊNCIA
Estudos sobre a Independência 'revisitam' a história para contar o 7 de setembro 200 anos depois

Pesquisas realizadas nas últimas décadas explicam e atualizam narrativas sobre a data histórica

Joyce Cunha
Do Diário do Grande ABC
06/09/2022 | 10:02
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André Henriques


No dia 7 de setembro de 1822, dom Pedro 1º, acompanhado de comitiva real no retorno de expedição ao litoral paulista, foi alcançado, no alto de uma colina às margens do Ipiranga, por mensageiros enviados por sua mulher, a princesa Leopoldina, e por José Bonifácio. Na correspondência, estavam notícias despachadas do Rio de Janeiro sobre as ordens recém-recebidas das cortes portuguesas, que determinavam o retorno imediato do príncipe regente a Portugal.

Diante dos conselhos contidos nas cartas e sob as pressões políticas que ameaçavam rebaixar o Brasil novamente à condição de colônia, dom Pedro 1º, empunhando sua espada, teria proclamado a separação do reino português, com o grito de “independência ou morte” que seria eternizado no imaginário popular e pela história. Ou, pelo menos, em grande parte das narrativas contadas sobre o episódio.

Há pelo menos 40 anos, historiadores têm revisitado o passado em busca de novas evidências e respostas para compreender o que, de fato, conduziu o Brasil à independência.

“A primeira questão que podemos apontar é o momento em que ocorreu a separação de Portugal. Há muitas vozes que se pronunciaram, o que significa que havia grupos divergentes no interior da sociedade. Cada uma das vozes, grupos e segmentos sociais deixaram suas marcas nos inúmeros registros históricos que foram produzidos naquele momento”, explicou Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora no Museu Paulista e do programa de pós-graduação em História Social da USP (Universidade de São Paulo).

A versão mais disseminada coloca dom Pedro 1º e a família real em posição central – e em muitas vezes heróica – no processo de separação de Portugal. E não por acaso. “A independência chegou até nós por intermédio dos registros feitos pelas pessoas que tiveram condições de deixar marcadas suas posições. A maior quantidade de documentos que nós temos a respeito das inúmeras vozes daquele período foi produzida pelo governo de dom Pedro. A primeira aproximação que tivemos em relação à data é com a memória que dom Pedro e os dirigentes daquele momento quiseram deixar para a posteridade”, pontuou a pesquisadora.

A forma como a história foi contada, ao longo de décadas, reforçou o enredo construído, a partir de 1823, pelo então imperador do Brasil. Nesta narrativa, a importância do contexto político e econômico da época, não apenas no País, mas em todo o mundo, foi praticamente apagado.

“É como se a Independência pudesse ter sido decidida sem que a sociedade soubesse. Sem que houvesse grandes consequências, sem que, em um mundo de negócios, interesses e perspectivas não estivessem em jogo, tanto do lado de cá do Atlântico, como do lado de lá”, recordou a professora. “O Brasil não estava sozinho no mundo.

Existe o restante da América, onde aconteciam revoluções independentistas. No Brasil também. Essa revolução teve consequências políticas e sociais muito fortes. Quando você joga a ênfase ou na heroicidade ou em algo cômico, perde-se completamente a noção da inserção do que estava acontecendo no Brasil e em âmbito mundial”.

O Bicentenário da Independência reacende os debates sobre o trajeto percorrido antes e depois do 7 de setembro de 1822. “O passado nunca está acabado. Para o historiador, ele nunca está inteiramente descoberto ou fechado. Quando a gente chega em 2022, há acúmulo de conhecimentos e experiências que fazem com que as perguntas que a gente dirige ao passado sejam específicas”, analisou Cecilia.

“Existe um mundo de situações que nos fazem perceber que, jamais, dom Pedro, José Bonifácio ou outros protagonistas mais conhecidos poderiam tomar as decisões que tomaram sem o respaldo de inúmeros grupos sociais e sem a força econômica de uma sociedade. Os protagonistas que se tornaram heróis foram aqueles que conseguiram vencer suas oposições, que queriam outras alternativas políticas.

Essas oposições lutavam por participação mais abrangente, por uma república, não pela monarquia. E essas alternativas não morreram em 1822. Elas continuaram a ser lastro e inspiração para as outras gerações de políticos que vieram depois. Passados 200 anos, ao olhar para o passado, devemos ver aquilo que foi vitorioso, mas também o que foi derrotado”, concluiu.

DOM PEDRO 1° PROCLAMOU A INDEPEND~ENCIA NO IPIRANGA? 

Ao longo das últimas décadas, historiadores têm se dedicado aos estudos e atualizações dos fatos relacionados ao 7 de setembro de 1822. Em meio aos mitos já esclarecidos e aos novos questionamentos que surgem, um ponto se destaca: dom Pedro 1º proclamou ou não a independência do Brasil às margens do Ipiranga? 

“Eu diria que este é o principal marco que vem sendo interrogado, se a declaração de independência de dom Pedro em São Paulo aconteceu como se supõe que tenha acontecido, para além da viagem a São Paulo e da peregrinação que ele fez a Santos para resolver questões políticas graves”, explicou Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora do Museu Paulista e da pós-graduação de História Social da USP (Universidade de São Paulo). 

“Que ele fez uma declaração, parece não restar dúvidas. Porém ele mesmo, dom Pedro, levanta suspeitas, porque um dia depois, em 8 de setembro, ele escreveu uma proclamação que dirigiu aos paulistas e paulistanos agradecendo a acolhida na então província de São Paulo, dizendo que ‘independência ou morte era a grande dívida pela qual todos deveriam lutar’, mas sem dizer que ele havia proclamado”. Além disso, os primeiros registros sobre o grito no Ipiranga aparecem em 1823, em documentos do governo de dom Pedro. Na imprensa do Rio de Janeiro, não há registros sobre os fatos relacionados ao 7 de setembro no ano em que a independência teria sido proclamada. 

“De toda sorte, dom Pedro, quando optou pelo 7 de setembro, optou conscientimente. A data é um símbolo do surgimento de uma nova nação, mas um símbolo atrelado à figura dele. E nesse sentido, ele construiu uma memória muito positiva sobre ele mesmo”, avaliou a pesquisadora.




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