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Miriam Gimenes
Ator emína pipa para amenizar sintomas do Parkinson. Foto: Andréa Iseki. |
O general chinês Han Hsin criou a pipa há cerca de 200 anos a.C.. O seu objetivo era apenas medir a distância de um túnel que seria escavado no castelo imperial. Tempos depois, o advento passou a ser usado pelos militares no Japão para levar mensagens secretas aos aliados. As pipas ganharam tanta força no Oriente que viraram símbolo de atrativo de felicidade, sorte, nascimento, fertilidade e vitória. Este último significado talvez seja o que mais se assemelha com a realidade de vida do veterano ator e diretor Paulo José, 75 anos. Embora no Brasil ela seja um mero brinquedo infantil, o gaúcho usufrui do objeto – tem até coleção - para se distrair e treinar o "controle de elementos". A atividade pode parecer corriqueira, mas para quem foi diagnosticado com o mal de Parkinson há quase duas décadas, torna-se ação tão trabalhosa quanto terapêutica. A cada ‘papagaio’ no alto, uma conquista.
Em contrapartida, a prática já lhe rendeu fraturas em três vértebras (a L1, a L3 e a L5) em sua fazenda no sul do País, onde nasceu. Para dar mais linha à pipa, o ator andou para trás e escorregou do chinelo. A queda causou dores que dificultaram as ações que empreende todos os dias para aplacar a doença, como exercícios físicos e de fonoaudiologia. "Sempre tenho pelo menos duas atividades por dia ligadas ao Parkinson", contabiliza. E como lida com a doença hoje? "Com isso aqui", responde mostrando uma caixinha com os comprimidos que tem de tomar de três em três horas, até o fim da vida.
Augusto Boal, Juca de Oliveira, Paulo Cotrim e Flávio Império. Atualmente, faz a direção geral da peça JT – Um Conto de Fadas Punk, em cartaz até o próximo dia 15 no Sesc Consolação, em São Paulo. Paulo iniciou a carreira de ator no teatro amador de Porto Alegre quando atingiu a maioridade. Tentou também ser arquiteto, chegou a cursar a faculdade, mas não se encontrou no ofício. Ainda bem. Hoje é um dos profissionais mais respeitados no meio artístico e ganhador de diversos prêmios: três vezes o Troféu Candango de Melhor Ator no Festival de Brasília (pelas atuações em Todas as Mulheres do Mundo, Edu – Coração de Ouro e O Rei da Noite), o Troféu Oscarito no Festival de Gramado (2000) e o prêmio de Melhor Ator no 8º Festival de Cinema Brasileiro de Miami pelo filme Benjamim.
A montagem conta a história de Laura, cantora punk que ganha dinheiro ‘interpretando’ papéis em disque-sexo. Sem perspectiva de melhora de vida, ela resolve criar o personagem JT Leroy, escritor adolescente, travesti e drogado, cuja ‘autobiografia’ é transformada em livro que se torna best-seller nos Estados Unidos. O personagem fica tão real que ela pede para a cunhada passar-se pelo autor e, juntas, elas enganam até algumas celebridades, como Bono Vox e Madonna, que viram fãs do tal JT. Uma vez descoberta, Laura é processada por falsidade ideológica.
Paulo ri algumas vezes contando as peripécias da personagem e diz que, se ele fosse Laura, muniria-se de documentos para provar que JT é real. Para ele, a protagonista é vítima do cenário em que vive. "É um mundo de safadezas. Passa-se nos Estados Unidos, mas podia ser brasileiro", conclui. A vida de Laura, assim como a de Paulo, teve suas adversidades. E eles encontraram meios, cada um a seu modo, de driblá-las. Como diz o provérbio chinês, "sem a oposição do vento, a pipa não consegue subir".
MUITOS EM UM SÓ
Ainda que tenha interpretado mais de uma centena de personagens, o homem que está por trás dessas histórias se diz indefinido. "Não tenho caráter. Quando não estou fazendo personagem, dirigindo, me encaro como um hiato, fico nulo", explica. É por isso que revela ter sentido vontade de viver a história de todos os personagens que criou. "A fantasia é muito mais interessante que a realidade. Ser real é uma bobagem. Desde Adão até hoje, pude ser tudo o que quis", comemora.
Paulo é do tipo que não gosta de ter um tempo ocioso. Conta que teria de dormir das 23h às 8h, mas acha que tamanho período gasto desta forma seria um desperdício. É incansável: "Poderia fazer rádio das 4h às 8h". É só trabalhando que Paulo se encontra, cresce, se renova e, principalmente, sente-se vivo.
E tem sua razões para pensar assim. Quando recebeu o diagnóstico do Parkinson, ficou bastante tempo afastado dos palcos, por conta do tratamento e da dificuldade de controlar os movimentos. Mas foi quando voltou a atuar e dirigir que encontrou forças para combater a doença e vencer seus obstáculos, que cresceram a cada dia. "É como um gago que, quando canta, fala corretamente as frases. Atuando, não sinto os efeitos da doença. Para mim, é um alívio." Os sintomas também foram amenizados após a colocação de um marca-passo no cérebro, que ajudou a reduzir os tremores e a rigidez.
Embora acredite que encontrarão cura para a doença degenerativa, Paulo José acha que demorará para ela ser anunciada por não haver interesse da indústria farmacêutica. "Não existe grande interesse em curar o Parkinson. Os laboratórios trabalham muito em remédios que permitem ser um parkinsoniano quase bom, mas tem de usar remédios." E como lida com a doença tantos anos após o diagnóstico? "Eu não lido, sou lidado. A cada três horas, abro minha caixinha e tomo minha dose cavalar. Lidar com o Parkinson é isso", diz de uma forma um tanto irreverente.
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