Nossos direitos, sempre ameaçados

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Aline Melo

De tempos em tempos surgem iniciativas que ameaçam os direitos das mulheres, que sempre são conquistados com muita dor, luta, suor e lágrimas. Como alertou Simone de Beauvoir, um dos maiores nomes do feminismo, basta uma crise, seja ela política, social ou econômica, para que os nossos direitos sejam questionados, ameaçados e até retirados. Não foi exatamente nesses termos, mas é a síntese da história.

O direito ao aborto no Brasil é bastante limitado e previsto em três situações: quando a gravidez é fruto de estupro, quando há risco de vida para a gestante ou quando o feto tem alguma deformidade grave que seja incompatível com a vida. E neste momento, tramita no Senado um projeto de lei que pode impedir que gravidezes fruto de estupro sejam interrompidas.

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) apresentou em dezembro de 2020 o projeto de lei 5.435/2020, o “Estatuto da Gestante”, mas que já foi batizado de “Bolsa Estupro”, porque, além de vetar que sejam realizados abortos por mulheres que foram vítimas de violência sexual, também prevê o pagamento de um salário mínimo para a mulher até que o filho tenha 18 anos. O texto também prevê que o genitor do feto seja responsabilizado e que, prestem atenção, registre a criança. A mãe não pode se opor.

Eu vou explicar em miúdos: um projeto que, além de obrigar a mulher a ter o filho que foi concebido durante um ato de extrema violência, também a obriga a manter contato com o seu agressor e que seu filho também tenha contato com essa pessoa. Eu, que sou jornalista e há mais de dez anos vivo disso, mal consigo escolher as palavras para expressar a minha indignação.

O movimento feminista, que é muito organizado no Brasil e no mundo, já fez diversas articulações e, mediante pressão, a relatora do projeto, a senadora Simone Tebet (MDB-MS), já afirmou que vai tirar esses trechos mais polêmicos do estatuto, mantendo apenas a garantia de assistência à gestante pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Um texto substitutivo será apresentado.

Para além de todo o desgaste emocional que essas tentativas de ataque aos direitos das mulheres causam, é preciso que a gente avalie como alguém que é pago com dinheiro público e deveria dedicar seu tempo a garantir melhorias para toda a população, se sente à vontade para apresentar projetos que institucionalizam a violência. Que revitimizam mulheres que já passaram pela humilhação da violência sexual.

Pessoas como esse senador representam uma parcela da população que, tal qual o livro O Conto da Aia, de Margaret Atwood (que deu origem ao seriado The Handmaid’s Tale, disponível em plataformas de streaming, recomendo fortemente), veem as mulheres como meros invólucros de pessoas que virão a nascer. Não aceitaremos retrocessos. Não abriremos mãos dos nossos poucos direitos. Como cantou Elis Regina, “é preciso estar atento e forte”. Não passarão.

 

 

 




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