Desaparecido

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Seri

Daurizete da Silva, 47 anos, 60 kilos, cabelos e olhos castanhos, visto pela última vez na Praça dos Pombos, por volta das 15h. Se for encontrado, favor contatar etc, etc.

Por falta do que fazer, comecei a colecionar cartazes de adultos sumidos. Nunca havia encontrado qualquer desses desaparecidos, mas percebi algo em comum nas informações que ali estão.

Nenhum dos 17 cartazes que guardei num envelope citava o dia, mês ou alguma data aproximada de quando deram pela falta do sujeito. Longe das redações há uns quatro anos, ressurgiu o desejo da investigação e passei a ligar para os telefones informados.

- Boa tarde, meu nome é Peixoto, sou jornalista e....Pum, bateram na minha cara. Tentei outro número.

- Boa tarde, é que eu tenho um cartaz de uma pessoa desaparecida, o Seu Osmar.

- Aqui não tem ninguém com esse nome!

- Eu sei que não tem, eu sei, ele desapareceu e...por acaso já foi encontrado?

- O senhor espera? Ô tia. Atende aqui!

Dali meia hora eu estava na casa de Dona Dalila, que me contou:

- Olha, seu Peixoto, o Osmar era meio estranho. Não conversava com ninguém e demoramos a dar pela ausência dele, para dizer a verdade. A gente fez o cartaz uns meses depois que ele sumiu.
Quase o mesmo modus operandi se deu com outras vítimas. É gente de tão pouca relevância num determinado núcleo familiar que as pessoas demoram reparar em suas faltas. Os parentes distribuem cartazes por mero ‘desencargo’ de consciência.
Voltava desolado para minha rotina desimportante, triste com a condição humana, que nos deixa cada vez menores em relação a nós mesmos, quando dei de cara com um rosto familiar; estava certo que já tinha visto aquele olhar perdido em algum lugar.
Cavei minha mochila em busca de papéis e lá estava ele. Seu Geneval, 53 anos, cabelos ralos...era ele! Fiquei exultante de felicidade, chacoalhei o papel com a foto xerocada do seu Geneval.

- Aqui, Seu Geneval, te encontrei...
Mas ele já não estava mais. Sumiu no meio da gentarada. Talvez tenha preferido continuar desaparecido. Eu ali, sacudindo insanamente um papel inútil e amarelado. Ninguém na multidão me olhou. Percebi que não era mais notado. Quis sumir.




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