'Conheci pouco meu pai'

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Miriam Gimenes

 
Em ocasião aos 30 anos da morte de Elis Regina, em 2012, fiz reportagem especial relembrando o legado da cantora, para mim, a dona da voz mais bonita que já passou por aqui. Lembro de ter conversado por mais de uma hora com o filho caçula dela, o também cantor Pedro Mariano, e ele me disse que tudo que guardava sobre sua mãe em sua memória foram situações contadas, vídeos os quais assistiu. Ele sequer lembra de sua voz conversando dentro de casa. “Queria ter saudades dela, minha maior frustração é não ter isso. Só sente saudades de algo que se perdeu e eu não a tive. Não lembro da minha mãe, me dói muito falar isso.” Fiquei muito mexida com este depoimento.
 
Guardadas as devidas proporções, sensação semelhante tive esta semana, quando falei com Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões do Doi-Codi, órgão de repressão da ditadura militar (1964-1985), em outubro de 1975. A conversa ocorreu porque depois mais de quatro décadas da fatídica foto em que Vladimir aparece enforcado – ao que quiseram ‘sugerir’ um suicídio –, o Estado brasileiro foi condenado pela CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos) em razão da falta de investigação e punição dos responsáveis pela prisão, tortura e morte do jornalista.
 
A Corte determinou na sentença, entre outras coisas, que sejam reiniciadas as investigações – o que causou a reabertura do caso pelo Ministério Público – para que seja possível identificar, processar e punir os responsáveis pelo assassinato de Herzog, que à época era diretor de jornalismo da TV Cultura. “Ela (sentença) abre a porta para que possa de novo buscar os culpados. (Esperar por todo esse tempo) É uma tragédia. Nós somos uma família como centenas nessa situação. Muitos acabam morrendo de velhice sem que a justiça seja feita, sem que esclareça. É uma questão de impunidade do País”, reclama Ivo, que junto da mãe, Clarice Herzog, mantém o instituto que leva o nome do pai e tem como responsabilidade cuidar de sua memória e mostrar todos os valores defendidos por Vlado, principalmente o de buscar justiça em casos graves de violações de direitos humanos, para que sejam investigados e punidos.
 

Ivo, que certamente passa o Dia dos Pais doído, lembra que tinha apenas 9 anos quando o viu pela última vez. “Conheci pouco o meu pai, até pela questão da idade. Não o tive ao meu lado e isso é uma violência enorme. Tenho poucas recordações.” Lembra-se apenas de que na véspera de Vlado ir para o Doi-Codi eles se preparavam para viajar para o sítio da família, em Bragança. “Se tivéssemos ido antes para o sítio ele estaria aqui”, lamenta. E há ainda candidato à Presidência que ao comentar a decisão da CIDH soltou a ‘pérola’: ‘Suicídio acontece, o pessoal pratica’. Que País é este? 




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