Rock na 97 FM e as lembranças de uma época áurea de rádio andreense

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Vinícius Castelli

Se alguém perguntar para quem foi adolescente ou adulto nos anos 1980 e 1990 se a pessoa se lembra da rádio que ficava no segundo andar do famoso prédio redondo na Avenida Gilda, em Santo André, a resposta será positiva e de carinho. Foi nesse local que nasceu, de forma despretensiosa, em setembro de 1983, a emissora FM 97, para muitos, a primeira rádio a trabalhar exclusivamente com rock no País. Ficou na cidade, onde fez história, até o início dos anos 1990, quando se mudou para São Paulo. Em 1994, passou a tocar música eletrônica.

Programas como Backstage, Reynação e vários outros, isso sem contar na programação diária, fizeram a alegria de muitos ouvintes, como Fabiano Calixto, 44 anos, que se lembra da Sessão Rocambole. “Foi ali que conheci inúmeras bandas e histórias do mundo do rock, fiz amigos que também ouviam. Era uma emissora de resistência. Foi um dos cursos mais importantes da universidade desconhecida”, diz o escritor e poeta.

Criador da 97 e dono dela até hoje, José Antonio Constantino, 57 anos – completados ontem –, quando abriu as portas da emissora, tinha 23. Seu pai já trabalhava com comunicação. Era dono da Rádio Emissora ABC, sintonizada nas ondas AM. “Gostava de rock e tocava meus discos na programação. Só depois de seis meses é que contratei um funcionário. Antes disso eu fazia tudo sozinho. A rádio foi autossustentável desde o começo. Pagava as contas e foi embora”, recorda Constantino, ao Diário.

Ele se lembra de a emissora ser a pioneira a tocar artistas como Camisa de Vênus. “Quando a banda lançou o disco, logo em seguida ele foi retirado das lojas. Acho que por causa do nome. O LP caiu na minha mão, não lembro como, e comecei a tocar na rádio. O Marcelo Nova (cantor do grupo) me ligou da Bahia”, diz. E assim foi com muitas outras, como Golpe de Estado, Legião Urbana, Ira!.Todas foram tocadas lá.

Segundo Constantino, no começo a rádio não contava com programação pronta. “Tinha um monte de disco e o locutor tocava o que queria.”
Pela FM 97 passaram locutores lembrados até hoje pelos ouvintes, como Jota Erre (1965-2012). Outro é Ciro Bottini, 50 anos, atualmente apresentador do Shoptime, na TV. Ele foi um dos locutores principais da emissora. Fazia o horário das 10h às 14h. Começou lá em 1989, aos 24 anos. Ficou até 1992. “O DNA dela (97) é no Grande ABC. Tinha pegada rock. A rádio era muito independente, não ficávamos presos às gravadoras. Quando achávamos que uma banda tinha algo legal além do single a gente tocava”, explica.

Daquele período Bottini se lembra, rindo, de quando um coordenador reclamava que ele falava muito no ar. “Gravava meu horário e me colocava para escutar depois. Eu fingia que concordava e no dia seguinte fazia tudo igual. Gostava de fazer gracinha”, diverte-se. “Tenho muito carinho pela rádio e pelo que a 97 representou para a região e para mim. Pude começar uma carreira ali.”

Edu Romano, 44 anos, foi estagiário da rádio entre 1991 e 1992. Mas antes disso já tinha contato com a programação. Conheceu na estação a música de Raul Seixas e do Golpe de Estado. Romano se lembra de um dia, em 1991, quando Dinho Ouro Preto, cantor do Capital Inicial, estava no estúdio dando entrevista para Ciro Bottini, e conheceu ali a música Smells Like Teen Spirit, do Nirvana. “A rádio tinha um acervo maravilhoso. Eu lavava os vinis no tanque com detergente”, recorda-se.

Vitão Bonesso, 56 anos, foi outro que fez história na rádio. Começou lá em 1986, como colaborador. Mais tarde criou o programa Backstage, que segue hoje na Kiss FM, e apresentou aos ouvintes da região várias bandas de heavy metal. “Era uma galera (na rádio) que realmente gostava de rock e que tinha certo conhecimento daquilo que tocava. Fato que faz uma falta danada hoje em dia, em se tratando de rádios dedicadas ao rock”, diz.

Entre os apuros que Bonesso passou, lembra-se de uma vez que, após chuva forte, o transmissor encheu de água, que escorria pelo duto e chegava na rádio. “Depois de um raio de rachar concreto, começou a entrar fumaça dentro do estúdio, tive de subir até o transmissor e desligá-lo antes que algo pior acontecesse. Foi terrível.”

O músico Kadu Castro, 45 anos, à época ia na porta da rádio. E em uma dessas vezes conheceu Catalau (ex-cantor do Golpe de Estado). Foi pois sabia que a banda daria entrevista lá. Conseguiu participar e ainda ganhou um disco do artista. “Tenho guardado até hoje. Em recente show em comemoração aos 30 anos da banda, nos encontramos, meus olhos lacrimejaram. Contei a história para ele e mostrei a foto do disco”, diz.

O escritor de São Bernardo Marcelo Viegas, 42 anos, também tem história com a 97 roqueira. Em 1991, em uma promoção, ganhou um disco de vinil do grupo Pixies, raridade que guarda a sete chaves. “Foi a única vez que subi lá no prédio redondo”, afirma. Para ele, a rádio fomentou, mesmo que indiretamente, a arte na região. “Eles traziam muitos shows para o Grande ABC e formaram musicalmente uma geração, muitos que já faziam música na época e outros tantos que vieram a montar banda depois.”

Emissora roqueira promoveu shows e fez público conhecer nomes como Golpe de Estado

Das ondas da antena da FM 97, no alto do prédio redondo, em Santo André, muita gente ouviu que se o motorista baixasse em 10 centímetros a antena do carro, a rádio pegaria melhor. Carlos Prozzo, 58 anos, que apresentava o programa Rockstrote e também cuidava das grandes festas de aniversário da emissora, diz que erauma brincadeira e isso fazia com que as outras emissoras, as de São Paulo, não pegassem bem na região. José Antonio Constantino, dono da emissora, não se lembrava mais dessa história, mas garante, entre risos, que a 97 pegava melhor sim.

Fato é que com antena alta ou baixa, muita gente ouviu cantos como ‘Porque é noite de balada,sorrisos na madrugada’, entoada tantas e tantas vezes por Catalau, ex-Golpe de Estado, na faixa Noite de Balada. A 97 FM fez o Grande ABC e a Capital conhecerem e se apaixonarem por bandas nacionais como o Golpe (foto acima) e tantas outras.

“Na época pré-internet, a rádio era o sonho de qualquer banda. Tocaruma vez já era a glória. Acho que o Golpe teve sorte de serum dos mais tocados.Nos deixou conhecidos para sempre. E como rádio rock, divulgou muitas bandas nacionais”, diz Nelson Brito, contrabaixista do Golpe de Estado e único músico original na banda hoje em dia.

“O Golpe surgiu dali, da rádio”, garante Prozzo, que entrou na 97 quando tinha 24 anos. “A rádio era parte do Grande ABC”. Patrimônio, sim, assim como é a Metal Music – loja mais antiga de LP e CDs da região –, e como era também o extinto Move’s Bar, que ficava em Santo André e serviu de palco para shows como Dorsal Atlântica e Korzus, entre tantos outros.

Roger Moreira, cantor da banda Ultraje a Rigor, se lembra de visitar o prédio redondo. “Era uma rádio pioneira e certamente ajudou a firmar o rock na região”, diz. A FM 97 ganhou tanta força que seus aniversários, comemorados no Clube Atlético Aramaçan, levavam 8.000, 10 mil pessoas tranquilamente, como se lembram Constantino, Prozzo e as coberturas do Diário à época.

“Das festas da rádio eu participava de todas e todos os shows patrocinados por ela eu estava”, diz o locutor Ciro Bottini.

Tony Bellotto, guitarrista do Titãs, também, tem boa lembrança da emissora andreense. “A importância da 97 foi fundamental. Não só pelas músicas que tocava, mas pelos shows que patrocinava, as entrevistas.” Para o músico, a rádio ajudou, com certeza, a popularizar o rock brasileiro. “A banda visitou a rádio muitas vezes. Sempre muito divertido e excitante. Não tinha jabá na 97, só tocava o que agradava os programadores e o público.”

Prozzo se lembra de uma festa em particular. “Ninguém esquece do show do Raul Seixas. Ele já estava sumindo. Tinha que ficar dois, três dias com ele para que não bebesse. Esse dia teve Ira!, Golpe de Estado e Marcelo Nova, que me ligou e disse que o Raul pareceria na festa. Mas era segredo. Quando ele entrou o Aramaçan foi abaixo”, afirma. O guitarrista da região Edu Romano, aliás, estava nessa ocasião. “Ninguém esperava, ou acreditava, que fosse realmente o Raul. Foi uma loucura. As pessoas começarama subir umas nas costas das outras para ver melhor”, afirma.

O andreense Valter Nunes, de Santo André, 47 anos, era ouvinte assíduo da rádio e ia aos shows. “Conheci o Golpe de Estado pela 97, em 1987. Até tirei uma foto com o Catalau”, diz. O músico da região Evandro de Marco, 44, que era amigo do locutor Sandro Anderson, morto em 2009 em acidente de moto, também era frequentador dos shows. “Conheci Raul Seixas, Biquini Cavadão. Tinha acesso aos camarins”, diz.

O poeta Fabiano Calixto também viu muito show nas festas da rádio. “Rolava a madrugada toda. Todos meus amigos iam. Era uma farra. Uma alegria. Eram, sei lá, umas dez bandas.  Vi ali Golpe de Estado (muitas vezes, era uma espécie de banda do nosso coração), Raul Seixas, Marcelo Nova, Ira!, Titãs, Barão Vermelho, entre outras.

Carlos Prozzo, o homem responsável pelas festas

Segundo Nelson Brito, contrabaixista da banda Golpe de Estado, algumas das primeiras canções que a rádio tocou de sua banda foram Sem Ser Vulgar e Olhos de Guerra. Muitas vezestocadas pelo locutor Jota Erre, outras por Carlos Prozzi.

Prozzi foi o responsável por organizar festas inesquecíveis no palco do salão nobre do Clube Atlético Aramaçan, em Santo André, nos anos 1980 e 1990, para os aniversários da rádio. “O público da região era fantástico”, diz.

Diversos nomes passaram pelas festas, como Ira!, Banda Taffo e Barão Vermelho. “O Grande ABC era o grande palco. Teve muita festa. Uma mais louca que a outra. Era uma disputa de artistas e gravadoras para tocar na festa. Todo mundo queria mas não tinha grade”, revela o produtor.

Segundo o criador da rádio, José Antonio Constantino, todos queriam participar das festas. 

Além dos aniversários da rádio, Prozzi realizou também com sua produtora as tão esperadas Primavera do Rock. Além disso, passaram pela cidade, graças a ele, nomes internacionais como Deep Purple, Ramones e Faith No More. As lembranças dos eventos ele guarda todas com muito carinho até hoje. 

Com programação diferente, 97 está viva e opera na Capital

Muita gente acha que a FM 97 mudou de dono, mas José Antonio Constantino continua no comando da rádio, que neste mês completa 34 anos e hoje se chama Energia 97 FM.

Desde 1994 tem programação calcada na música eletrônica. “Eu mudei (o estilo) porque não saia mais nada novo de rock naquele período”, afirma.

Um dia ele estava no táxi, conversando com motorista, que disse gostar de rock. Perguntei o que ele escutava e ele disse que ouvia Yes, Jethro Tull. Percebi que não tinha nada novo. E pensei ‘já, já vou virar rádio flashback.’”

Na época, o novo, segundo ele, era a música eletrônica “Resolvi mudar da noite para o dia. O pessoal foi dormir ouvindo rock e acordou com música eletrônica”. Confessa que houve crítica. “Teve ouvinte que mandou carta com minha cara sendo enforcada. Me chamavam de traidor”. Segundo Constantino, que se lembra dos tempos em Santo André com carinho, foi decisão acertada.

“Se pudesse, hoje teria também um outro canal só de rock. Temos um aplicativo na rádio, que será lançado em mais ou menos um mês. Nele teremos playlists, e uma delas com rock. Quem quiser matar a saudade dos velhos tempos da FM 97 poderá agora”, encerra. 

 

 




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