Um sentido para a vida

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Eliane de Souza

Foto: Diário do Grande ABC
Isabella repensou os valores após perder a casa em enchente. Foto: Diário do Grande ABC

Você já viveu alguma situação extrema e se viu obrigado a mudar? Existem casos de pessoas que passaram por períodos de intenso estresse, às vezes traumáticos, mas que conseguiram dar a volta por cima. Há também aqueles que, fragilizados, não reencontraram o sentido para a vida.

A Dia-a-Dia conversou com pessoas que perderam tudo em enchentes, que tiveram entes queridos mortos em data representativa limite e voltar a viver é inerente à maioria dos seres humanos.

A assessora de imprensa Isabella Holanda, 39 anos, perdeu a casa em enchente na Vila Madalena, em São Paulo, em fevereiro. “Tinha muitos itens supérfluos. Hoje quero ter menos bens. Assim, se a chuva vier de novo, não vou perder tanto.”A casa, os móveis, as roupas e as recordações dela e da filha de 8 anos foram embora com as chuvas de verão. Sozinha em casa, com a água alcançando dois metros de altura, por pouco quase não foi a própria vida que Isabella perdeu. O recomeço forçado é com roupas e mobília doadas, abrigo temporário na casa de parentes e desesperança. O maior medo é de não conseguir reconstruir o patrimônio e ter sempre a sensação de que outro temporal levará o que tanto custou para conquistar.

Um sequestro relâmpago há oito anos mudou os hábitos da consultora de responsabilidade social Ana Luiza Basílio, 28 anos, também de São Paulo. A abordagem ocorreu enquanto estava no carro com uma amiga, no Parque São Rafael, Zona Leste da Capital. O medo da morte que mudou a vida de Isabella e Ana Luiza também traumatizou o operador de produção Edilson Gomes da Silva, 28 anos, de Santo André. Ele perdeu o pai José Gomes da Silva, 57, em acidente de ônibus, retornando de Pernambuco no Natal. “Passei a banalizar a morte e achar que nada mais teria importância. Procurei uma forma de anestesiar meus sentimentos na rebeldia e no alcoolismo. Não me tornei alcoólatra, mas bebia muito mais que socialmente. As pessoas me cobravam maior responsabilidade, porque seria o homem da casa e eu não queria nada disso. Não achava que a figura do meu pai deveria ser substituída”, relata.

A angústia dos três é uma das evidências de transtorno de estresse pós-traumático, sensação nada agradável de quem esteve ou presenciou situações de atentado à integridade física. O resultado é insônia ou pesadelo, pensamentos que remetem ao fato traumático, reações como se a situação de medo se repetisse, irritabilidade, dificuldade de concentração, insensibilidade afetiva, estado de prontidão, entre outros males que dificultam a volta à rotina normal.

A jornalista tem pesadelos. A recordação mais forte é de quando o muro da casa vizinha desabou, trazendo a enxurrada e inundando os cômodos. “Felizmente, neste dia a minha filha não estava em casa. Desde então sonho que estou me afogando. Não sou mais a mesma pessoa”, relembra Isabella.

Ana Luiza reagiu ao assalto correndo, mas foi capturada e provocou a ira do assaltante. A psicologia ajuda a explicar a reação inesperada da vítima. Todo o nosso corpo funciona com estímulos harmônicos para executar ações rotineiras, como acordar e tomar café da manhã antes de sair para o trabalho. Uma situação de estresse faz com que a coerência entre em colapso e o cérebro envie para o corpo respostas desorganizadas. No momento em que saiu gritando foi a ação não habitual que o cérebro enviou para aquele estímulo. É por isso que torna-se difícil obedecer a recomendações como não reagir a assaltos, já que a razão não é dominante em situações de alerta, conforme explica o especialista em comportamento humano Eduardo Shinyashiki.

A letargia de Edilson Gomes da Silva é explicada por Shinyashiki. Trata-se de mais um dos sintomas comuns ao transtorno de estresse pós-traumático e que pode retardar a recuperação por anestesiar também alegrias e sentimentos positivos. “As pessoas não demonstram fragilidade na tentativa de se proteger, e tendem a não pedir ajuda e se fechar. Parecer forte o tempo todo só evidencia o estado de debilidade”, diagnostica.


TRAUMAS

Isabella guarda recortes de jornais que noticiaram a tragédia e fotos de seus móveis, eletrodomésticos e roupas tomados pela lama. Ela ainda paga as prestações do colchão que comprou dias antes da tragédia. A angústia pesa mais do que as perdas materiais. Ao menor sinal de tempestade, ela lembra do dia em que poderia ter morrido. “Cheguei a ligar para a Defesa Civil, mas a resposta que tive é de que só viriam se alguém tivesse morrido. Mesmo se viessem, eu só receberia um colchão e um lugar em abrigo público. Se não contasse com a solidariedade dos meus amigos, estaria completamente desamparada”, conta a jornalista. Recomeçar do zero significa abrir mão, inclusive, de hábitos simples, como escolher uma roupa para trabalhar. Agora ela usa peças maiores que seu manequim porque conta com um armário montado à base de doações. “Não ter um teto é como viver num pesadelo que não tem fim. Não sei se com o meu trabalho terei forças para construir tudo de novo.”

O pesadelo de Ana Basílio durou as quatro horas em que permaneceu em poder dos bandidos. Ela foi obrigada a se passar por namorada de um dos sequestradores para que os vizinhos não desconfiassem do crime ao subir vielas de uma favela em Sapopemba, na Zona Leste da Capital. “Eles diziam que eu era muito bonita enquanto passavam o revólver no meu rosto e perguntavam se eu sabia o que poderia acontecer. Tive muito medo de morrer ou ser violentada. Eles queriam cartões de bancos e nos deixaram reféns até limpar as contas. Até que um disse que levaria minha amiga porque não encontrou o caixa eletrônico do banco dela. Nesta hora pedi para que atirassem em mim, porque ela era a única esperança de que eu conseguiria sair viva daquela enrascada.” Ambas se agarraram à fé no cativeiro, quando um dos assaltantes – o mais inexperiente, acredita – lhe oferecia pizza e dizia em voz baixa que elas não morreriam se colaborassem.

O medo da morte iminente também assolou o operador de produção Edilson Gomes. “Por que motivo eu estudaria, cresceria profissionalmente e construir



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