Que ano!

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Vanessa Soares

Dezembro chegou e, com ele, o sentimento coletivo de que 2016 já deu o que tinha que dar há muito tempo. O ano foi marcado por diversos acontecimentos que, sem dúvida, ficarão na memória. Impossível elencar todos os fatos que, ao longo de 11 meses, provocaram sentimento de insatisfação, desânimo, perplexidade. Mas, para muitos, 2016 deu mais do que certo.

Basta ouvir a empolgação na voz de Flávia Ribeiro, 39, para ter certeza disso. “Para nós, a ‘crise’ não chegou”, afirma a servidora pública, casada há 14 anos com o mecânico de manutenção Wagner Ribeiro, 44. Para eles, 2016 trouxe a realização de um sonho. Dois abortos espontâneos consecutivos explicados por um diagnóstico de endometriose (fragmentos do endométrio fora do útero), uma cirurgia para reparar o problema e um ano de tentativas frustradas para engravidar naturalmente poderiam ter roubado do casal o desejo de ter nos braços o amor concretizado em forma humana. Apesar de todo sentimento contrário, a fé e a certeza de que nada seria maior do que esta vontade permitiram que eles fossem adiante. “Na vida temos que aproveitar até as coisas ruins”, afirma convicta.

Para não aumentar ainda mais o sentimento de incapacidade, optar pela reprodução assistida (fertilização in vitro) estava fora de cogitação. Foi assim que o casal resgatou na memória o plano que tinha feito há muitos anos: o de ter um filho adotivo. “Temos uma sobrinha adotada e sabemos como é algo bem-sucedido, então sempre pensamos em ter dois filhos, um biológico e um adotivo”, relembra.

Foi no início de 2015, após procurar a Vara da Infância de Santo André, que eles deram início ao processo de adoção. Flávia conta que o objetivo sempre foi ter dois filhos, mas a princípio a intenção era adotar um de cada vez. No entanto, ao longo do caminho as coisas mudaram. Após busca ativa feita pela instituição, o casal tomou conhecimento de que dois irmãos, um menino e uma menina, com o mesmo perfil que eles buscavam – maior de 3 anos e negros ­– estavam à procura de pais. Eles tiveram a certeza de que tinham encontrado aquilo que há tanto tempo ansiavam desde o primeiro contato com as crianças. “Nós renascemos. Achamos nossos filhos”.

Segurar as lágrimas ao relembrar o dia em que Lucas, 10, e Laura, 6 (os nomes foram mudados para preservar as crianças), chegaram em casa pela primeira vez ainda é difícil. “Entramos com o carro pela garagem e o Wagner falou: ‘Sejam bem-vindos à nossa casa’. Aquilo foi abençoado. Cada um dos dois foi para um lado e eu vi aquela cena, aquela casa enorme para duas pessoas, aquele espaço vazio, ser preenchido. Também tenho muitas bonecas e sempre sonhei em ver minha filha brincando com elas, foi tão legal. Só pensei: ‘Senhor, obrigada!’”, emociona-se. “Deus faz as coisas de um jeito que não compreendemos. Lá atrás sofremos duas perdas, mas tudo se encaixou, Ele nos deu dois filhos.”

Ao longo de 2016, Flávia e Ribeiro puderam acompanhar de perto suas vidas se fundirem com as das crianças e se tornarem uma família. Viram as crianças aprenderem a ser filhos ao mesmo tempo em que eles se tornavam pais. “O maior desejo do nosso filho era ter uma família e ele fala: ‘Nossa mamãe, nossa familia é tão legal.”

O balanço que Flávia faz da experiência vivida é o de que “o amor vale a pena”. E para o futuro, o casal só espera aquilo que todo pai e mãe desejam. “Que nossos filhos sejam felizes, realizados, plenos. Que se tornem seres humanos grandiosos que também façam a diferença na vida de outras pessoas”, finaliza.

Durante o processo de adoção o casal pôde contar com a ajuda do Grupo de Apoio à Adoção Laços de Ternura, da Feasa (Federação das Entidades Assistenciais de Santo André) ­ – feasamidias, no Facebook. “Lá, recebemos atendimento humanizado. Eles realizam reuniões mensais com pais que ja passaram pelo processo.”

Mas Flávia e Ribeiro não foram os únicos contemplados com boas novas em 2016. A auxiliar de enfermagem Roseneide Ribeiro de Carvalho de Oliveira ganhou a sua própria vida. Diagnosticada há 12 anos com fibrose pulmonar (doença rara que provoca a cicatrização do tecido dos pulmões), ela aguardava há dois anos e quatro meses na fila de transplante. A demora chegou a levá-la a pensar que não iria conseguir. Mas dia 8 de junho o telefone tocou, às 2h30:?era um doador. “Na hora tive medo, me deu tremedeira, mas corri para o hospital.”

Apesar do processo difícil de recuperação, ao qual Rosineide ainda atra­vessa, o transplante devolveu a qualidade de vida que a doença havia levado embora. “Precisava de oxigênio e carregava o cilindro comigo.” Agora, ela celebra a chance de comemorar mais uma virada de ano. “Quero poder fazer as minhas coisas. Voltar a ter uma vida ativa como tinha antes”, acrescenta. O caso de Rosineide chegou à Dia-a-Dia com a ajuda da Casa da Doação de Órgãos e Tecidos do Grande ABC.

Do outro lado da linha tênue da vida está a publicitária Cristiane Escatolino, 45, que ganhou a oportunidade de dar a outra pessoa a chance de um recomeço. Cadastrada no Redome (Registro Nacional de Doadores Voluntários de Médula Óssea) há 13 anos, ela nem se lembrava mais do feito até receber uma li­gação da instituição no início do ano. “Não mudei telefone, e-mail, nada. A maior dificuldade deles é que, às vezes, as pessoas esquecem de atualizar as informações”, explica.

Após o primeiro contato, no qual ela foi questionada se tinha o interesse em ajudar, Cristiane precisou passar por série de exames que avaliariam a compatibilidade entre ela e o paciente que receberia a doação. “Depois de uns três meses me ligaram com a notícia de que era 100% compatível”. Sensibilizada por ter acompanhado a batalha de uma amiga com o filho de 6 anos com leucemia e salvo pela doação de médula óssea, Cristiane não teve dúvidas e deu andamento na doação.

O ato de amor por um desconhecido foi realizado no dia 3 de novembro. Por se tratar de um procedimento complexo também para o doador, Cristiane ainda passa por consultas rotineiras, mas sem pestanejar ela garante: “Faria de novo”.

Apesar de não ter nenhuma informação a respeito da pessoa que recebeu sua médula – o doador só pode ter contato com o receptor se o mesmo quiser e após um ano e meio do procedimento –, Cristiane foi informada pelo Redome que a pessoa que recebeu sua doação passa bem. “Minha sensação é de dever cumprido. Todo mundo deveria pensar no próximo. Me sinto realizada”, finaliza.

Também com sentimento de que 2016 teve seus bons momentos está o educador físico Paulo Eduardo Coutinho, 31. Além da notícia de que será pai pela primeira vez, também ganhou a chance de abrir o próprio negócio em meio à crise econômica que o País atravessa. Trabalhando como personal trainer desde 2006, Coutinho sempre teve vontade de ter seu espaço. “Até então, não tinha tido oportunidade”, relembra. Até que no começo do ano ele enxergou sua chance de ir adiante. Foi quando nasceu o Studio Paulo Coutinho. Em pouco mais de oito meses de funcionamento, o resultado superou as expectativas. “Estamos, inclusive, planejando expansão para o próximo ano”, declara. E tem como não ficar um pouquinho mais otimista para 2017 depois dessas histórias?




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