A escolha do Adeus

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Vanessa Ratti

E se você tivesse o poder da morte nas mãos? Saber quando, onde e como será sua partida daria a chance de se retratar com familiares e aproveitar bem melhor a vida, não é mesmo? Porém, algumas pessoas esperam ansiosamente este dia chegar. Ter o direito de escolher e fazer com que o fim se aproxime mais rápido, para elas, são questões de necessidade. É o caso de Will (Sam Claflin), do prestigiado Como Eu Era Antes de Você — adaptado para os cinemas do best-seller homônimo escrito por Jojo Moyes. Na ficção, depois de ser atropelado, o moço fica tetraplégico e totalmente dependente dos pais e dos médicos. Mesmo com todo conforto e conhecendo o amor com a chegada de Louise (Emilia Clark), ele insiste na Justiça em ter o direito de abreviar o sofrimento e partir de uma vez. O fim do filme dividiu opiniões dos fãs e a produção fez o público se emocionar. Além disso, a trama fomentou a polêmica sobre o tema. Será que o ser humano tem o direito de escolher quando vai morrer?

Mesmo que o assunto seja tratado na ficção, o drama é real e bem diferente no Brasil. A eutanásia, que dá a alguém o direito de morrer por algum problema crônico, é caracterizada quando terceiros abreviam a morte de uma pessoa, seja em estado terminal ou em casos de doenças crônicas. Porém, a prática não é permitida por aqui. É o que explica o mestre em Direito Penal e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie de Campinas Luiz Gustavo Fernandes. “O crime nem está previsto na Constituição e é considerado como homicídio, com pena de seis a 20 anos de prisão”, revela. Além disso, ele completa que existe um relevante na lei, que pode abrandar a consequência. “O juiz vai julgar se aquela pessoa teve uma questão moral ou valor piedoso para a pena ser abrandada, mas não deixa de ser crime”, diz.

Os médicos, por sua vez, também se dividem em algumas opiniões. Apesar de alguns defenderem a tese de que o paciente tem autonomia com relação à morte, a reflexão de Yuri Louro, anestesiologista e especialista em cuidados paliativos do Hospital Mário Covas, de Santo André, vai além. Ele acredita que a liberdade da prática de eutanásia acabará em desumanização. “Sou contra. Dentro desta área a gente tem que sentar e conversar com o paciente”, defende. Além disso, ele explica que nesses casos, os cuidados paliativos – tratamento que visa devolver a dignidade humana promovendo a qualidade de vida mesmo em casos terminais – podem ser a saída. “Para patologias que não têm cura, que não vão fazer a pessoa ter de volta sua performance inicial, a gente quer oferecer conforto, além de equipe de psicólogos, nutricionistas e médicos especialistas para esse paciente”, completa.

Pouco discutido na sociedade, o assunto também é tratado em outros filmes. Menina de Ouro (2004), que fala sobre a vida de Maggie Fitzgerald (Hilary Swank), de família humilde, porém determinada pelo sonho de ser grande boxeadora. Em uma das competições, ela é covardemente atingida pelas costas e fica sem andar, e sem poder realizar seu maior desejo: viver do boxe.

A sua vontade, a partir de então, é que os aparelhos que a mantêm viva sejam desligados. Além dele, Mar Adentro (2005) debate a vida como direito e não como obrigação. Ramón (Javier Bardem) se sente impotente por estar há 20 anos na cama, sem poder se movimentar do pescoço para baixo. Ele julga estar preso em uma condição indigna. Atualmente, a série Justiça, da Rede Globo, também trouxe a história de Beatriz, interpretada por Marjorie Estiano. Dançarina, ativa, apaixonada e muito realizada profissionalmente, a moça é pega de surpresa por um carro e também se vê dependente do marido, Maurício, vivido por Cauã Reymond. Como um ato de amor, Beatriz pede a ele que aplique substância e abrevie sua morte. Apaixonado, ele deixa a mulher partir e acaba preso. O ator admite que essas cenas fizeram mal a ele. “Me deixaram mexido. É impossível imaginar o que a gente faria numa situação destas, porque cada caso é muito singular. Mas, definitivamente, eu não gostaria de estar na pele dele”, conta Reymond à Dia-a-Dia.

O SUICÍDIO ASSISTIDO

Outro tema relacionado com a morte é o suicídio assistido ou o auxílio ao suicídio, caracterizado quando uma pessoa ajuda a outra a praticar a própria morte, de forma secundária, ou simplesmente não preserva a ação. Em 1988, a prática ganhou mais força com o médico norte-americano Jack Kevorkian, que inventou a ‘máquina de suicídio’ e ajudou 130 pessoas a morrerem. Ele ficou conhecido como Dr. Morte e sua história é narrada no filme Você Não Conhece Jack (2010).

Na vida real, ele foi julgado três vezes e absolvido as três. Se fosse no Brasil, o especialista não seria só perseguido profissionalmente, mas também responderia pelo crime, previsto no artigo 122. “É como se você tivesse participação no suicídio, ou de alguma forma prestou auxilio moral ou material a ele”, revela Fernandes, mestre em Direito Penal. Na Suíça, por exemplo, existe a famosa clínica Dignitas, que oferece este tipo de serviço e tem sido procurada por pacientes em fases terminais.

OUTROS CAMINHOS

Existe também a ortotanásia, que significa morte correta ou natural. Ou seja, neste caso, o médico não precisa utilizar todos os métodos para salvar o paciente. Para a legislação brasileira, não existe previsão legal, mas, por outro lado, a Constituição defende que ninguém pode ser submetido à tortura. Além disso, existe ainda uma previsão, que está tramitando no Senado Federal, para que se inclua um parágrafo no artigo do crime de eutanásia. “Quando houver mais de um médico assinando e a liberação da família, o médico pode suspender o uso de aparelhos, por exemplo, que caracteriza a ortotanásia”, explica o especialista. Já de acordo com o código de ética médica, esta prática é permitida e a decisão depende do médico que acompanha o paciente juntamente com a família.

Com isso, a advogada Rosana Chiavassa, 56 anos, conquistou na Justiça, em 2013, o direito de ter “morte digna”, no caso de uma doença irreversível, no futuro. Mesmo saudável, a paulista defende a importância de já poder escolher. “Atuo na área de direito à saúde desde 1983. Já vi muitas famílias se endividando porque existe alguém que está em coma há anos. Eu não quero isso para mim”, desabafa. Isso porque, para ela, essa decisão é exclusiva dela. “Os meus filhos respeitaram, entenderam que não quero que eles levem esse peso da decisão e eles não vão ter coragem de dizer: ‘Não faça mais nada’. Então eu mesma digo”, completa.

MAIS

Eutanásia: abreviar a vida de paciente em estado terminal, com doença crônica ou degenerativa. Suicídio assistido: consiste no auxílio para a morte de alguém, que pratica pessoalmente o ato para conduzir ao fim.

Casos reais

A atleta belga Marieke Vervoot tem de lidar com a morte todos os dias desde 2008. Diagnosticada com síndrome degenerativa, que paralisou suas pernas e provoca desmaios ao longo do dia, a notícia caiu como uma bomba, já que na época ela era bicampeã mundial de triatlon e já havia feito o Ironman.

Depois de descobrir a doença, Marieke, já em cadeiras de rodas, ganhou três medalhas na Paraolimpíada de Londres, em 2012. Mesmo assim, ela anunciou, no começo de setembro, que os Jogos do Rio de Janeiro seriam sua despedida, já que Marieke pediria a eutanásia assim que a doença se tornasse insuportável. Os papéis que autorizam o procedimento estão assinados desde 2008. A eutanásia é permitida na Bélgica desde 2002 para doentes incuráveis que sofrem de sofrimentos físico e psíquico insuportáveis

O caso da norte-americana Jerika Bolen, 14, é semelhante. Ela sofre problema degenerativo, chamado atrofia espinhal, doença que afeta os nervos responsáveis pelo controle dos movimentos. Após 30 cirurgias e muitas conversas com a mãe, a jovem decidiu que a dor constante é mais forte que sua vontade de sobreviver. Em julho desde ano optou pelo desligamento de ventilador que assegura sua respiração.

Os últimos dias da vida de Jerika foram aproveitando o verão e viajando para passar tempo com o pai, com quem não tinha muito contato. Também foi organizado um baile de despedida para ela. O falecimento ocorreu no dia 22.

 



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