Mãos à obra

Envie para um(a) amigo(a) Imprimir Comentar A- A A+

Compartilhe:

Heloisa Cestari

Neste ano em que o povo foi às ruas reivindicar mais investimentos em Saúde e Educação, a equipe da Dia-a-Dia acompanhou um grupo de brasileiros que há muito tempo vem promovendo uma transformação social por onde passa. Em vez de roupas ou alimentos, eles doam de si mesmos para levar conhecimento às regiões mais desfavorecidas do País. Têm o espírito de solidariedade como principal aliado e a indiferença como único alvo a ser combatido. E não estão sós. De acordo com dados do censo de 2005, o Brasil conta com 19,7 milhões de ‘soldados do bem’. São pessoas dos mais variados credos, raças, profissões e classes sociais que se empenham em ajudar gente que nunca viram. Em comum, utilizam-se de um recurso acessível a todos, embora cada vez mais escasso nos dias de hoje: tempo. E sabem bem como aproveitá-lo para lançar suas sementes de sabedoria e fazer a árvore do desenvolvimento social dar frutos. Neste mês em que se celebra o Dia Internacional do Voluntariado, a Dia-a-Dia presta homenagem com histórias de anônimos que batalham para levar informação, saúde, cultura ou simplesmente afeto a quem mais precisa. E de quebra, deixam o exemplo e a esperança de que se pode construir um País melhor através da fraternidade e do esforço de cada cidadão.
 
Grupo passou mais de 20 dias ministrando oficinas em escolas de Goiás e da Bahia em abril. Foto: Heloísa Cestari.
Chapada dos Veadeiros, abril de 2013. Em uma roda de voluntários, após um dia exaustivo de ação social, João Victor Macul, 24 anos, canta ao violão a música Ao Outro Lado del Río, do uruguaio Jorge Drexler, que garantiu ao filme Diários de Motocicleta o Oscar de melhor canção. O longa-metragem, dirigido pelo brasileiro Walter Salles, narra a viagem que Ernesto Guevara (1928-1967) fez de moto pela América do Sul, aos 23 anos, ao lado do amigo Alberto Granado. Mas a música ecoou em meus ouvidos de maneira diferente naquela noite. Depois de passar três dias convivendo com 21 pessoas dedicadas a fazer o bem, com culturas tão diversas e objetivo tão uníssono, minha mente logo adaptou o roteiro de cinema ao contexto do momento. Impossível mesmo não fazer a comparação ao lembrar o ímpeto do protagonista de atravessar o rio a nado para auxiliar os internos de uma colônia de hansenianos no Peru, após visitar minas de cobre e povoados indígenas. Assim como o jovem Che – que anos mais tarde se tornaria o maior líder guerrilheiro de Cuba –, o fotógrafo, advogado e idealizador do IBS (Instituto Brasil Solidário), Luis Eduardo Salvatore, largou tudo um dia para percorrer os locais mais remotos do território nacional em busca de um País ainda pouco conhecido pelos próprios brasileiros. E passou por um processo de catarse quando decidiu aventurar-se por Bolívia e Peru ao lado de dois amigos mochileiros. Na época, também tinha seus vinte e poucos anos. Mas as semelhanças acabam por aí. Diferentemente de Guevara, Salvatore jamais cogitou pegar em um revólver para combater as desigualdades sociais. Muito pelo contrário: sua revolução é a do ensino escolar e sua única arma, a educação. É com ela que ele transforma comunidades carentes dando a crianças e adolescentes a oportunidade de aprender, resgatar a autoestima e sonhar com um futuro melhor. 
Tudo começou em abril de 2000, quando ele, sua irmã, Ana Elisa, e a pesquisadora Liliana Pardini iniciaram uma jornada a bordo de um 4x4 batizada de Expedição Trilha Brasil – O Brasil em Busca dos Brasileiros. O objetivo era resgatar as lendas e histórias de lugares recônditos do País por meio de um intenso convívio com o povo local. “Planejei um ano de trabalho em dois turnos, e guardava tudo o que recebia, já sabendo que em 1999 eu não trabalharia, só me dedicaria a fazer o projeto sair do papel. Inicialmente, a ideia era viajar pelo Brasil conhecendo as comunidades, convivendo nos lugares, não para ajudar, mas para entender o nosso País. Eu não sabia ainda quais os caminhos que seguiria. Naquele momento, queria apenas dar palestras, tirar fotos, fazer documentários, desenvolvendo um trabalho diferente, de convivência”, lembra Salvatore.
A troca de experiências com ex-cangaceiros do bando de Lampião, remanescentes quilombolas no sertão da Bahia, discípulos do Mestre Vitalino, filhos de sobreviventes da Guerra de Canudos e garimpeiros ermitões da Chapada dos Veadeiros, no entanto, despertou nos irmãos a vontade de fazer algo por aquelas pessoas simples, que os haviam recebido tão bem em suas casas ao longo dos 25 mil quilômetros rodados por 14 Estados. Começavam a germinar as bases das ações sociais do Instituto Brasil Solidário. “Quando você começa a ouvir as histórias, percebe que o buraco é muito grande. Visitei escolas, hospitais, fui a locais com problemas de saneamento, de higiene, de preservação do meio ambiente, e aí surgiu a questão de que fazer palestras e documentários, deixando tudo do jeito que estava, era muito fácil. Eu não queria ganhar dinheiro em cima daquelas pessoas. Então, decidi que iria trabalhar para ajudar quem eu estava fotografando. Por isso que uma das premissas do instituto é voltar a lugares em que a gente esteve durante a expedição.”
O resultado já se comprova em números: nos últimos 12 anos, a Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) beneficiou cerca de 4 milhões de pessoas com a realização de 51 expedições, 76 visitas operacionais e capacitação de 11.295 professores, além de doar 743 mil livros e 127 mil kits escolares. Suas ações atenderam diretamente 488 escolas públicas em 149 municípios de regiões socialmente desfavorecidas e com baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
A própria equipe reflete o poder de transformação e a extensão do projeto. Cada voluntário vem de uma região diferente do País, e vários deles foram um dia beneficiados pela ação social em suas cidades. Uma mistura de sotaques, experiências e disciplinas que, embora diversos, garantem a harmonia da caravana, sempre unida em torno do objetivo de melhorar a realidade de comunidades carentes por meio da educação. “Somadas as diversidades, temos um leque de novos projetos sustentáveis, que a cada ano vão crescendo e se aperfeiçoando, graças aos nossos colaboradores e ajustes a cada localidade trabalhada.”
A professora Francisca Régea Coelho, 31 anos, é um desses exemplos. Quem a


Diário do Grande ABC. Copyright © 1991- 2024. Todos os direitos reservados